Ensaio de uma Crítica do Cristianismo
“Farei uma pequena regressão para explicar a autêntica história do cristianismo. – A própria palavra “cristianismo” é um mal-entendido – no fundo só existiu um cristão, e ele morreu na cruz. O ‘Evangelho’ morreu na cruz. O que, desse momento em diante, chamou-se de “Evangelho” era exatamente o oposto do que ele viveu: ‘más novas’, um Dysangelium(1).
É um erro elevado à estupidez ver na ‘fé’, e particularmente na fé na salvação através de Cristo, o sinal distintivo do cristão: apenas a prática cristã, a vida vivida por aquele que morreu na cruz, é cristã... Hoje tal vida ainda é possível, e para certos homens até necessária: o cristianismo primitivo, genuíno, continuará sendo possível em quaisquer épocas... Não fé, mas atos; acima de tudo, um evitar atos, um modo diferente de ser... Os estados de consciência, uma fé qualquer, por exemplo, a aceitação de alguma coisa
O ‘cristão’ – aquele que por dois mil anos passou-se por cristão – é simplesmente uma auto-ilusão psicológica. Examinado de perto, parece que, apesar de toda sua ‘fé’, foi apenas governado por seus instintos – e que instintos! – Em todas as épocas – por exemplo, no caso de Lutero – “fé” nunca foi mais que uma capa, um pretexto, uma cortina por detrás de quais os instintos faziam seu jogo – uma engenhosa cegueira à dominação de certos instintos... Eu já denominei a ‘fé’ uma habilidade especialmente cristã – sempre se fala de “fé”, mas se age de acordo com os instintos... No mundo de idéias do cristão não há qualquer coisa que sequer toque a realidade: ao contrário, reconhece-se um ódio instintivo contra a realidade
1 – Um dos muitos neologismos de Nietzsche. Ele compõe este vocábulo angelium (cuja origem vem do grego e que significa “nova”, “notícia”) fazendo oposição com os prefixos dys (mau, infeliz – “notícia má”) e eu (bom, feliz – “boa nova”, “boa notícia”). (Pietro Nasseti)
2 – Referência à teoria de Charles Darwin sobre as origens do
homem. (Pietro Nasseti)
Texto retirado do livro: O Anticristo de Friedrich Nietzsche
0 comentários:
Postar um comentário