Paraíba que já participou de programas televisivos nacionais, vive hoje marginalizado na cidade de Santa Rita, cidade que escolheu para viver. Sem nenhum incentivo, sai todos os dias pelos ônibus da grande João Pessoa com sua zabumba e sua flauta levando um pouco de alegria para aqueles que, na correria do dia-a-dia, o encontra em algum ônibus tocando suas músicas.
Fotos: Jason Moraes
Caverna das Idéias: Qual motivo te levou a procurar uma religião?
Paraíba do Forró: Eu gostei do evangelho e tava muito "extrovertido demais" [problemas com bebida] e eu tenho sentimentos e sabia que tava errado mesmo, por que pra ser certo ninguém consegue, não. Pior é errar e continuar.
C.I: Teve alguma divergência do pessoal da igreja com o seu trabalho?
P.F: Não tem por que eu avisei logo a eles. O seguinte é esse: eu sou semi-analfabeto, mas não sou burro. Religião não tem nada a ver com a minha profissão, a menos que eu faça alguma coisa errada. [...] E outra coisa que vocês não estão sabendo: eu to cego de um olho. Ceguei de glaucoma desse olho aqui [mostra o olho esquerdo]. Se chover, não saio pra canto nenhum... Dentro de casa pra andar tenho que usar uma bengala, mas eu vou ter que andar com ela mesmo, vou ter que me acostumar.
C.I: E cirurgia?
P.F: Rapaz, eu tive no H.U duas vezes e eu vi tanta má vontade que eu disse: quer saber de uma coisa, eu não venho mais aqui não. Deram remédio e não adiantou. Por que não adianta eu ser hipócrita, esse olho aqui não volta mais. Você pode chegar e meter a mão aqui que esse não bate, entendeu?
C.I: E disseram que era o que?
P.F: É Glaucoma e esse aqui ta ofuscando também [mostra o olho direito]. Eu vou e volto agora se chover eu fico no meio do caminho, por que aí embasa tudo. E me deram remédio, lá vai, tal e coisa, mas não adiantou coisa nenhuma. Não volta mais. Agora é esperar em Deus, se for da vontade dele... Pela minha idade eu acho que não dá mais. Sessenta e cinco anos de idade eu vou esperar mais o que? Esperar agora o restinho que tem pra ser cego. O que eu tinha de fazer eu já fiz, né?
C.I: Por que Paraíba do Forró?
P.F: O nome Paraíba veio através do que eu comecei fazendo: cantando e tocando. Comecei como Zé da gaita, não foi aqui que iniciei, foi em Recife. Eu morava lá e era solteiro, fui trabalhar lá e lá fiquei morando. E em seguida eu ia pro parque São Pedro e começava a tocar lá com os meninos e ainda não tinha gaita e tocava um pente no copo e eu vi que dava som aí fiz esse instrumento.
C.I: Você é natural de Santa Rita?
P.F: Não. Itabaina.
C.I: Começou tocando com que idade?
P.F: Comecei em 1972, tinha uma base de 23 pra 24 anos.
C.I: Trabalhava em que antes?
P.F: No início era no pesado. Ainda tem calo aqui na mão. E depois eu fiz a gaita e inventei uma de tubo. E desse tubo até hoje... São quase quarenta anos que eu tenho esse instrumento [Nesse momento começa a tocar umas músicas na sua gaita]. Não propriamente esse tipo de instrumento, né? Eu posso fazer milhões dessa se eu quiser, entendeu? E nenhuma é pirata por que o fabricante sou eu. E lá no Recife tinha um rapaz chamado Jota Ferreira, que não é o daqui, da rádio Alto Comercio e um dia ele chegou no parque São Pedro e me viu tocando com Serêncio do violão e não tava essa porcaria que to agora, tava bem feitinho de corpo. E ele perguntou: você é de onde moço? Eu disse: eu sou da Paraíba. E ele me perguntou: você mora aonde? Eu respondi: moro aqui no Cavaleiro. Aí ele disse: você gosta de cantar, né? Eu falei que gosto de brincar com os meninos aqui e tal e coisa. E ele falou: você não parece que ta brincando, parece mais que você ta fazendo a coisa com sinceridade mesmo. Nessa época tinha muito carimbo e aquelas músicas de Pinduca... ainda não conhecia o Genival Lacerda, aí eu me interessei por ele e já fui entrando na linha, entendeu? Daí deixei o carimbo do lado e comecei a cantar forró. E também canto Luiz Gonzaga e outros, mas a faixa legal mesmo é Genival Lacerda.
C.I: E como é que você veio pra cá pra Santa Rita?
P.F: Eu fui criado aqui nesta casa. Agora depois que eu criei cabelo na venta, arranquei pro recife. Tive meu primeiro casamento e a mulher morreu. Eu tinha um certo amor por ela e depois disso fui embora pro Recife. Passei oito anos no Recife e dei lá algumas "mordidinhas", mas não deu certo. Aí eu vim embora de novo. Cheguei aqui aí me "ajuntei" com outra e lá vai e passei uns dias e depois em 1989 me juntei com dona Teresinha... até hoje! Dezoito anos vai fazer agora no dia 12 de novembro que é o aniversário de nosso ajuntamento que não é casamento: pobre não casa se ajunta, né não? Foi daquele jeito.
C.I: E o senhor ainda lembra a data?
P.F: Lembro.
C.I: Também se não lembrar apanha, né?
P.F: E eu to com a gota? Óia o braço da mulher!
C.I: E depois?
P.F: Aí acontece que eu fui pra lá pra rádio Alto Comercio. Fui eu e um rapaz que era meu parceiro. Ele batia triangulo pra mim e cantava muito samba e eu cantava meu forró e a gente revezava. E fomos pra lá e quando chegamos fui pro camarim e pá e tal... primeira apresentação em televisão. Nunca tinha me apresentado em televisão, não sabia nem o que ia acontecer.
C.I: Qual o ano?
P.F: No ano de 1976. Aí me apresentaram lá vai e tal e coisa. O Moura cantou uns sambas e um outro cantou uns maracatus e é até uma música que eu gosto de cantar [nesse momento começa a cantarolar a música]. E dentro do estilo de música nordestina, que o carimbó é nordestino também, é um estilo diferente, mas é nordestino. Pará é do nordeste, né não? E eu entrei justamente com o carimbó de Pinduca. Eu cantei aquela música: "vou ensinar sinhá pureza...." e ganhei em primeiro lugar. E Jota Ferreira disse: olhe, de hoje em diante o seu nome não é mais Zé da Gaita. Eu disse: Porque moço? Ele disse: você vai ser de hoje em diante o Paraíba do Forró. É que ele confundiu carimbó com forró
C.I: Quer dizer que ele ia dizer Paraíba do Carimbó?
P.F: É, mas se ele tem dito certo tinha estragado tudo por que não sou paraense, sou paraibano, né não? Eu como disse que era da Paraíba, pois eu não ia negar meu estado de maneira nenhuma... mas ele disse: a partir de hoje você é o Paraíba do Forró e esse nome não apaga não.
C.I: Como é que surgiu essa idéia de tocar nos ônibus?
P.F: Começou muito antes, antes de vir pra Recife eu já tocava, né? Agora em 84 é que eu entrei oficialmente tocando em tudo que era ônibus aqui, no Rio de Janeiro, em Natal, Recife, Fortaleza... a Bahia não me conhece dentro dos ônibus, Maceió conhece. Mas agora não que eu já estou aposentado. Dentro do ônibus quando eu entrava tocava quatro ou cinco músicas e dizia: gente, se vocês quiserem cooperar isso aqui não é esmola, por que tem gente que acha que a gente é imbecil e não divide uma coisa da outra e eu dizia que isso não era esmola, isso é um trabalho cultural, aí vem a "lapada" por cima da "urêia", né não? Um trabalho cultural e se vocês quiserem ajudar com alguma coisa o que vocês puderem cooperar ta em ordem. Aí eu levo na brincadeira, né? De cinco até cinco milhões, dez milhões e turma começa a rir. Tem cara que dá um real, tem cara que cinco centavos. E isso aí eu junto e de tardezinha eu venho embora pra casa dá de mamar as crianças e até hoje.
C.I: Dá pra viver com esse dinheiro?
P.F: Dá pra viver por que minha mulher faz bico, né? Ela é diarista. A mulher trabalha pra um canto e eu pro outro. E 10,15 ou 20 que eu apurar... toma lá.
C.I: Tem uma frase sua na internet em que você diz que vai defender a cultura até a morte e você diz que só quem vê sua arte é quem é civilizado. Como você ver essa questão de Santa Rita e sua arte?
P.F: Infelizmente são poucas as pessoas, não de Santa Rita, mas o próprio paraibano que não dá valor a arte paraibana. Não era pra eu estar assim, não! [se refere a sua condição atual]. Ta certo que eu sou um "caba zeloso". Veja que aqui não tem nada de novo, a única peça nova que tem aqui é essa [mostrando um aparelho de DVD] que eu comprei na Losango. É a única por que o resto é tudo velho, entendeu? Porque eu preciso disso. Eu tenho que escutar noticia, escutar música, tem que ter uma seleção musical pro meu trabalho.
C.I: Você gostaria de ser reconhecido como um artista da cidade de Santa Rita?
P.F:
Até certo ponto eu sou reconhecido, né? Só que no financeiro ninguém chega. O único caba aqui que me deu a mão foi o professor Francisco Diniz com sua literatura de cordel [mostra um folheto que foi feito sobre ele]. E um outro que me deu a mão foi Noaldo Néri. E aí ta a minha estória. Foi ele que me levou para o Caldeirão do Hulk, para o Ratinho.
C.I: Como é que foi essa historia do caldeirão do Hulk?
P.F: Não é que eu queira me "engambá", mas o único nordestino calouro que mexe com folclore e que teve a oportunidade de ir, em um mês só, duas vezes no Projac que fica no Jacaré Paguá foi o Paraíba do Forró. Fui a primeira vez e foi essa loucura, todo mundo assistiu, mas como era de projeção fiquei em quarto lugar. Eles mandaram me buscar de novo com avião pago. Então fui duas vezes no Projac. A primeira vez foi R$ 739,00 "de caixinha" livre de hotel, de avião, livre de "conversas boas" e o VT que não vai apagar nunca. Eu vou morrer e ele vai ficar aí pra todo mundo ver a minha cara linda. E mandaram me buscar de novo, foi mais R$ 500,00 pra caixinha, né? O SBT pra não ficar por trás, eu acho que foi isso aí por que elas são coligadas uma com a outra e o que um passa o outro vê, daí o Ratinho mandou me buscar. Aí foram três dias em São Paulo. Fiquei no hotel com direito ao que eu quisesse. Depois eu participei do programa do Ratinho justamente com a música "vai tomar no crush..." [E começa a cantarolar a música].
C.I: Quantas composições você tem?
P.F: Rapaz, as que eu mais toco é o pirangueiro e a do crush, mas são doze. É quantidade pra um CD, mas as que eu mais canto são essas duas.
C.I: Suas músicas falam de que?
P.F: É mais no sentido geral. O pirangueiro foi uma estória que aconteceu comigo mesmo na praia de Cabedelo logo que começou aquelas barracas. Aí me disseram que queriam fazer uma festa em Cabedelo e queriam me levar. Eu nunca me recusei pra ninguém, a menos que seja uma coisa errada eu não vou. Em se tratando de ser, desculpe o termo, um caba "toxicomo", né? Ta bom a palavra assim, "toxicomo"?
C.I: Ta. Bonita a palavra, né?
P.F: É linda só que eu não apoio não. Se for assim eu não vou por que vai prejudicar a minha vida e sujar meu terreno. Aí fomos. Chegou lá na barraca pedimos um pratinho de cambimba, aqueles caico assado e pedimos uma meiota que vinha numa garrafa de Coca-Cola, nesse tempo não tinha essas garrafas novas. Foi em 85 quando fiz essa música: pirangueiro. Aí tomamos a primeiro, nessa época eu era pinguço também. Depois mais duas e já esquentou o "pé da orelha". Tocamos umas músicas do Genival Lacerda e essa música [o pirangueiro] ainda não estava feita, surgiu depois da confusão que deu. Cinco cabra e comigo seis. Depois que eles comeram o prato de caico e tomaram umas doses, foram saindo de fininho. E aí ficou somente eu e dois caba na mesa. A dona do bar desconfiou e mandou chamar a guarda costeira. Quando eles chegaram perguntaram quem era o dono do forró. E eu que nunca brinquei em serviço disse: doutor venha cá, eu não tenho nada a ver com esse galho não, viu? Eu só tou cantando. Daí ele disse: mas você não tava na mesa? E eu respondi que fui contratado por eles, pra tocar pra eles... eu vim aqui não foi pra bagunçar, não! Daí ele disse: ta bom. E levou os outros caba. Quando cheguei em casa comecei a pensar: mas rapaz que confusão me aconteceu! Que prirangueiro! E foi aí que surgiu a música.
C.I: E essa estória de você sair de bicicleta pelos litorais do nordeste?
P.F: É correndo atrás do prejuízo, né meu filho? Natal, Fortaleza, Recife... só de bicicleta.
C.I: Como é que você acha que ta a política na cidade, a política no país?
P.F: Eu não tenho motivos pra defender o Lula, mas ele não é culpado de nada, não!
C.I: E de quem é a culpa?
P.F: A culpa é dos gananciosos, das pessoas corruptas que ficam corrompendo todo mundo e como com Lula não podem fazer o que querem, aí ficam querendo prejudicar ele por que nenhum presidente fez o que ele fez até hoje pelos menos favorecido, pelos pobres. Por que tem o miserável e tem o pobre; eu não sou um miserável, eu sou um pobre. Nem que eu tivesse um carro aqui na porta eu ainda era um pobre. O caba que é rico é que tem um empresa de ônibus, uma firma de avião e mesmo assim não tem o mesmo sossego que eu tenho.
C.I: E a política aqui de Santa Rita?
P.F: Eu não tenho nada contra a nenhum político, não. Não tenho por que até hoje nenhum fez nada por mim. Minha casa é toda de remendo. O prefeito ta fazendo praça e tudo o que é bonito aí, ele ta de parabéns, mas por mim não ta fazendo nada. Se der um tremor de terra aqui a primeira casa a cair é minha. Agora a política vem aí e nas eleições eles vem pra minha porta.
C.I: Alguém já veio aqui durante as políticas?
P.F: Não. Até agora não. Veio um cara dizendo que ia ajeitar um buraco aí em frente na rua, mas até hoje, vai fazer um ano e jeito não deu. E eu não sou de bajular ninguém. Se eu precisar de você eu digo: "preciso de você assim, assim e assim", não fico bajulando ninguém, não. Ta conversando! Num ta vendo que eu preciso! Se tão vendo minhas condições... Preciso ou não preciso?!
C.I: Um dos únicos espaços que os artistas locais tinham pra se apresentar era no Teatro aberto da Praça do Pirulito que foi fechado. Como você ver isso?
P.F: O outro Prefeito [se refere a Maroja] me botou três vezes no palco e eu tive lá numa oficina com eles e tal e pá. Foi aí que surgiu a literatura de cordel. Mas antes de tudo eu agradeço primeiramente a Deus e depois ao Noaldo Néri da PBTUR, João Pessoa. Se não fosse ele não teria sido reconhecido. Se dependesse daqui de Santa Rita ou de João Pessoa ninguém me conhecia.
C.I: Qual foi a influência de sua mãe no seu trabalho e como era o teu relacionamento com ela?
P.F: O meu relacionamento com minha mãe toda vida foi bom, mas nós não se confrontava muito por que não foi ela quem me criou. Meu pai se separou dela e me arrastou e depois que meu pai morreu eu fui criando com madrasta. Sofri mais que mala velha pra tirar o mofo, mas com quinze anos eu já comecei a entender como era a vida e parti pra viver minha vida, entendeu? Agora ela me influenciou muito com os modos dela, com as coisas que ela fez, com o folclore aquela coisa toda que ela fazia, né? Influenciou sim, tanto ela como o meu pai. O meu pai foi musicalmente e ela no modo de eu ser como sou extrovertido, né? Agora ela ta quetinha, ta lá no além e já me mandou um fax e eu disse: "agüenta aí que eu não vou agora, não!"
C.I: Como é que você ver a questão da morte da cultura, dessa falta de valorização?
P.F: Nós entendemos assim: não podemos meter pau na música de ninguém, cada um faça a sua música. Mas pra ser sincero esses forrozeiros que tem hoje em dia aí, isso não é forró! Depois que surgiu esse forró do Ceará, nego confundiu forró com lambada, isso não é forró. Outra coisa: coloca essas bandas pra tocar um atrás da outra, é tudo igual, tem tudo o mesmo ritmo. Agora, forró que eu conheço é pegar três caba bom, botar no palco e mandar brasa com a neguinha, né não? Isso aqui é que é forró [nessa hora coloca um cd de Jackson do Pandeiro].
C.I: Nessas apresentações que você faz em ônibus, você já sofreu algum tipo de preconceito?
P.F: É direto.
1 comentários:
fSao pessoas como voce que a nossa cultura precisa voce precisa conhecer tonho das bestas as ceguinha de campina isabel da loca dude burro preto e outros do nosso flocore e da nossa cultura.
parab em pela entrevista. noaldo nery noaldoneryyahoo.com.br
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