
João Pimentel
O lançamento hoje, às 19h30m, no Cine Odeon BR, do documentário “2000 Nordestes”, de Vicente Amorim e David França Mendes, que foca as diversas realidades do nordestino — tanto os que ficaram na terra natal quanto os que se aventuraram na viagem sem volta para as grandes capitais — terá uma atração-síntese do filme. Paraíba do Forró, o Showman, não é o protagonista da fita, longe disso. Ele é apenas mais um dos personagens da enorme colcha de retalhos humanos que desfia as desilusões, as esperanças e a incrível capacidade do nordestino de sorrir diante da miséria absoluta. Mas acabou roubando a cena com o seu imenso carisma.
Nascido José Antônio Bandeira, Paraíba não se tornou um personagem por acaso. Sua mãe, Isabel Bandeira, já aprontava desde o início do século passado. Conhecida como Vassoura, ela tinha o hábito de surgir nos lugares montada num jumento ou num cavalo, enrolada na bandeira do Brasil. Foi assim na prefeitura, no carnaval e até no quartel da PM, onde, ao invés de ser expulsa, acabou por comandar uma parada de Sete de Setembro.
Ao se embrenharem pelo interior do Nordeste em busca de personagens para o documentário, os diretores acabaram por encontrar Paraíba na cidadezinha de Santa Rita, próxima a João Pessoa. Além de um músico talentoso, rústico, o cantor é um inventor de esquisitices. De sua cabeça saíram alguns veículos bizarros, como um triciclo que mistura pneus de carros e de bicicletas e uma “motoqueta” com farol de milha, e o próprio instrumento que toca. Se Bob Dylan toca gaita e violão ao mesmo tempo, Paraíba acompanha o seu surdo aro quatorze com a sua “gaita vocal”.
— No começo eu tentava soprar como a uma flauta. Mas aquilo me cansava. Então eu adaptei o instrumento para a minha fala. Ele reproduz o som do meu canto — diz Paraíba.
Músico intuitivo, Paraíba começou tocando em trios de forró, como ele mesmo diz “pé-de-serra sob a luz do candeeiro”. A primeira oportunidade foi com o forrozeiro Zito Borborema.
— Naquele tempo tinha que tocar mesmo. Não tinha tapinha. Era mambo, rumba e cha-cha-chá. Em busca de dinheiro, o músico foi para o Recife onde conheceu e tocou com Genival Lacerda, seu grande ídolo. Depois acompanhou um tal de Cearense do Violão, mas a divisão de dinheiro era muito desigual e ele resolveu partir para a sua carreira solo.
E carreira solo para este Bob Dylan do sertão é solo mesmo. Criou a já citada gaita e passou a se apresentar dentro dos ônibus e na praia para garantir um troco. Há pouco tempo foi obrigado a modificar seus planos individualistas e o intitulado Grupo Paraíba do Forró passou a se chamar Paraíba do Forró e seu Menino, já que o filho Itamarzinho, de 10 anos, aprendeu a tocar triângulo, surdo, gaita vocal — olha ela aí de novo! — e até a cantar numa espécie de “paraibenglish”.
— Quando eu vi, estava este garoto cantando músicas no inglês dele. Nordestino tem essa mania de falar gringo — brinca Paraíba, que já tinha estrelado um dos episódios da série “Som da rua”, de Roberto Berliner, exibida pela TVE.
A convite da produção, o músico veio acompanhado de seu filho e de um amigo, pela primeira vez, ao Rio de Janeiro. Para não perder a viagem, teve que tirar, aos 59 anos, sua primeira carteira de identidade.
— O secretário de Cultura não acreditou que eu vinha para o Rio de Janeiro e quase que eu perco o ônibus
Na viagem, para não perder o hábito, fez duas apresentações de duas horas e só parou porque o filho se cansou. A cada parada, perguntava onde estava e quando olhou pela janela na Ponte Rio-Niterói, pulou para o meio do corredor e só sossegou quando desceu do ônibus.
— É muito alto, parecia que eu estava num helicóptero!
Depois de uma sessão do filme na PUC, na qual chegou a chorar, e de um debate, em que virou atração com o filho, Paraíba não via a hora de entrar num ônibus para testar o seu carisma na Cidade Maravilhosa.
— O Paraíba tem a alma do nosso trabalho. Ele sabe se virar para superar as dificuldades com muito bom humor e inventividade — diz o diretor David França Mendes.
Como todo artista popular que se preza, Paraíba é tratado em sua cidade mais como um personagem engraçado do que como um músico de verdade. Quando recebeu a fita com imagens do documentário, ele saiu pala vizinhança gritando que era um artista.
— Até a minha mulher desconfiava quando eu dizia que era um artista de verdade.
A temporada no Rio, que inclui um roteiro com passagem pela Feira de São Cristóvão e pontos turísticos, é um sonho para o Paraíba do Forró e para o seu menino. A frase dita por uma das crianças do filme define o espírito da dupla.
— Eu espero um futuro cheio de realidades. (© Jornal do Brasil)
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