Ética engavetada


O Conselho de Ética do Senado, numa sessão que alguns parlamentares qualificaram de constrangedora para o Congresso, marcando um momento histórico negativo para a instituição, arquivou ontem as 11 denúncias ou representações contra o presidente do Senado, senador José Sarney (PMDB-AP) e a representação contra o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM). O episódio representou o desfecho de uma polêmica que há três meses divide o Senado Federal e escandaliza a opinião pública. O escandaloso do que aconteceu ontem é que, por maioria de votos, os parlamentares consideraram inconsistentes as denúncias e as representações, por mais que essas iniciativas tivessem como elementos desencadeantes fatos de inegável gravidade, como a sociedade se fartou de conhecer. Mas há algo ainda mais incongruente na atitude do Conselho de Ética: a decisão de engavetar os procedimentos foi adotada por seu presidente e referendada, sem discussão, pela maioria dos conselheiros. Numa casa política, a ausência de debate é algo injustificável, que só se explica por injunções políticas inconfessáveis. A própria retaliação ocorrida, a da representação contra o senador Arthur Virgílio, nas circunstâncias em que ocorreu, enquadra-se num contexto de vale-tudo, mesmo que isso provoque rebaixamento do nível das instituições.

Sabe-se que esse episódio e os demais escândalos que chegaram à opinião pública neste ano ganharam especial delicadeza política por colocarem em risco uma arquitetura eleitoral com vistas à sucessão presidencial no ano que vem. Por isso, o próprio presidente da República estendeu a mão ao senador Sarney e ao PMDB, sabendo que com isso estaria conquistando pontos junto a potenciais aliados de 2010. Em função disso, mesmo com o desgaste que tal fato poderia gerar junto aos cidadãos do país, chegou mesmo a afirmar que Sarney não poderia ser considerado um “homem comum” e que deveria ser julgado também por sua biografia. Estas defesas ocorreram mesmo que as evidências estivessem identificando numerosas irregularidades ou ilegalidades que manchariam qualquer biografia.

O epílogo, ontem ocorrido, não ajuda nem o Congresso a reconquistar seu prestígio e sua credibilidade, nem os acusados a limparem suas fichas no tribunal da opinião pública. Ao contrário, no momento em que o Senado precisaria mostrar uma capacidade de renovação e uma posição definida frente a questões de ética pública, a deprimente sessão de ontem maculou ainda mais a imagem de uma instituição que já teve Rui Barbosa, Pinheiro Machado, João Mangabeira e Nereu Ramos entre seus integrantes. A imagem de um Senado eticamente depauperado é a pior herança que os atuais senadores, com as exceções de praxe, estão legando ao país. Neste início de século 21, quando o Brasil tem chances de conquistar lugares mais expressivos no conjunto das nações, tal condição só será obtida se estiver sustentada em poderes fortes, éticos e independentes.

zerohora

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