Para analistas, 'diplomacia do carisma' de Lula projetou Brasil, mas com 'excessos'

DA BBC BRASIL  

Ao imprimir um tom "carismático e personalista" à sua política externa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contribuiu de forma decisiva para uma maior projeção do Brasil no cenário internacional, dizem especialistas ouvidos pela BBC Brasil. 

A avaliação é de que a história pessoal do presidente, que ascendeu da pobreza ao cargo máximo da política do país, aliada à sua capacidade de negociação, ajudaram a "legitimar" as reivindicações do Brasil nos principais debates mundiais. 

Mas os analistas também veem "excessos" em uma estratégia que, para muitos, privilegiou os "gestos e a retórica" em detrimento de resultados concretos. 

"A contribuição do presidente Lula para a projeção do país é inegável. Na questão da imagem, saímos melhores, mas isso não é tudo em diplomacia", diz Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e atualmente diretor da Faculdade de Economia da Faap. 

Em oito anos de governo, Lula foi frequentemente elogiado pela opinião pública internacional, que viu no líder brasileiro um "símbolo" e "porta-voz" das demandas dos países em desenvolvimento. 

Na opinião de Ricupero, o estilo de Lula aplicado à diplomacia trouxe "perdas e ganhos" ao Brasil nos últimos oito anos. 

O principal ganho, segundo ele, foi o fortalecimento do G20, grupo que reúne as maiores economias do mundo, e que a partir de 2008 passou a dar mais voz aos países emergentes. 

"Claro que a conjuntura internacional, com a crise financeira, ajudou a mudar o status quo, dominado pelas grandes potências. Mas o presidente Lula teve o mérito de ser um dos principais porta-vozes da necessidade de mudanças no grupo", diz Ricupero. 

Como perda, o ex-secretário da Unctad cita o "fracasso" das negociações com o Irã, que para ele foi fruto de uma "insistência sem qualquer respaldo internacional". 

"Ali ficou claro o quanto o excesso de personalismo, o desejo de vitória a qualquer preço, pode ser também infrutífero. O resultado foi desastroso", diz o ex-embaixador. 

LÍDER 'INTUITIVO'
 
Professor de história das Relações Internacionais da UNB (Universidade de Brasília), Amado Cervo diz que o perfil "intuitivo" e "menos racional" do presidente Lula, com seus discursos em prol da justiça e de defesa da negociação no lugar do confronto, fez do presidente uma "celebridade política" no circuito internacional.
"Sem dúvida Lula foi um líder com altíssima aceitação na opinião pública mundial. E é natural que o país tenha se beneficiado disso", diz Cervo. 

Um dos principais legados de Lula para a diplomacia, na opinião do professor da UNB, está na projeção econômica e comercial do país. 

Para Cervo, Lula foi uma espécie de "garoto-propaganda" não apenas da economia brasileira, mas também das empresas. "Ele se responsabilizou por essa tarefa como ninguém e acho que a estratégia funcionou bem".
Já do ponto de vista das relações políticas, o professor da UNB vê "excessos" na diplomacia lulista, como na tentativa de acordo com o Irã e a na condenação a Honduras. 

"Minha avaliação é de que, em muitos desses casos, o presidente precisava agradar a certas alas do PT. E acabou dando passos maiores do que as pernas, como na aproximação com (Mahmoud) Ahmadinejad", diz Cervo. 

DILMA
 
A figura do líder carismático, que fala de improviso e sempre com uma opinião sobre os mais variados assuntos, deverá ceder lugar a uma presidente mais racional, mais concentrada em resultados e comedida em seus comentários. 

É assim que analistas e diplomatas veem a transição da diplomacia do governo Lula para a da futura presidente, Dilma Rousseff. 

"Minha impressão é de que ela será mais comedida nos comentários e mais racional nas negociações", diz Cervo.

O perfil mais técnico da nova presidente, aliado ao seu conhecimento de economia, também é apontado como diferença em relação ao perfil político e carismático de Lula. 

"O presidente Lula é um superstar, mas isso não quer dizer que a presidente eleita não possa conquistar seus nichos. Diplomacia não é uma disputa de popularidade", diz Ricupero.

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