Artistas GLS criam "queer rap" sem levantar bandeiras


A palavra inglesa "queer", que designa outras sexualidades que não a heterossexual, nunca havia sido relacionada ao rap.

Só recentemente artistas gays, lésbicas e transexuais como Zebra Katz, Mykki Blanco, Le1f, Black Cracker, Big Freedia, Titica e as namoradas e cantoras do THEESatisfaction apropriaram-se da linguagem e códigos do hip-hop para reinventar o gênero.

O "queer rap" não tem unidade estética -há nele desde hip-hop experimental com traços de jazz até kuduro (cantado pela transexual angolana Titica). E, com exceções como o THEESatisfaction, os artistas não empunham bandeiras nas letras.

Mas colocar artistas díspares sob o mesmo guarda-chuva só pelo fato de serem abertamente homossexuais, neste caso, não é despropositado. Afinal, trata-se de um passo ousado em um gênero que flerta com a homofobia desde seus primórdios.

Exemplos do passado e presente não faltam: o primeiro disco dos Beastie Boys quase chamou-se "Don't Be a Faggot" ("não seja uma bichinha"), e o coletivo Odd Future xinga homossexuais várias vezes em suas músicas.
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Rapper transexual americano Black Cracker, um dos artistas da chamada cena "queer"
Rapper transexual americano Black Cracker, um dos artistas da chamada cena "queer"

Os cantores gays não passam recibo das ofensas. "[Rappers homofóbicos] não fazem parte do meu universo. Não quero corrigir ninguém, mas acho que, quando alguém como eu aparece, muitas crenças são abaladas", diz Michael Quattlebaum, que atende por Mykki Blanco quando se veste de mulher.

"A maioria dos rappers homens tem essa postura. Desde que não me ataquem, não me importo", diz Big Freedia.

Freedia é a grande estrela do Sissy Bouncing, um rap típico de Nova Orleans. Existe há mais de 20 anos como bounce music, mas só ficou conhecido quando cantores gays ("sissy" pode ser traduzido como "veadinho") começaram a surgir.

Musicalmente, trata-se de um hip-hop acelerado, com batidas fortes; ao vivo, há um "diálogo" com o público.

A primeira artista abertamente gay do estilo foi Katey Red, uma drag queen que trabalhava como cabeleireira antes de cantar. Red gosta de dizer que inaugurou o sissy bouncing e intitula-se "mãe" do (sub)subgênero.

Foi como cantora no coro da tal "mãe" que Freedia começou. Suas músicas falam sobre festas, namorados e, principalmente, bundas, que são importantes nas letras e também nos shows.

A maioria dos fãs é mulher, diz Freedia. E, nas apresentações ao vivo, o público mexe a bunda incessantemente. "É algo parecido com uma dança da África chamada de mapouka."
Claro, há músicos que se incomodam ao serem colocados à revelia em uma "cena". Black Cracker, um transexual, diz nunca ter usado a sexualidade para promover seu trabalho. "Não gosto de rótulos. Especialmente se considerarmos que 'queer' não é uma técnica ou prática artística. Seria como se alguém dissesse que sou um rapper de cabelo curto", diz.

Carolina Daffara/Editoria de Arte


o cabaré com a folha 

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